Quando a força vira desgaste: redirecionando energia para prevenir o Burnout
Como crenças individuais e práticas organizacionais contribuem para o esgotamento — e o que fazer para reconectar propósito, saúde e produtividade.
Gleidson Csota
11/2/20255 min read


A maioria das pessoas que enfrenta o esgotamento não chegou lá por fraqueza ou falta de talento. Paradoxalmente, são profissionais fortes, responsáveis e engajados — gente que se doa, assume mais do que deveria e “segura o tranco” quando os outros já desistiram. O problema é que essa força, quando usada por tempo demais e no lugar errado, se torna uma força contra si mesma. Como diz a frase que inspirou este texto: “O burnout não é falta de força — é o resultado de tê-la usado demais, por tempo demais, no lugar errado.”
Neste artigo, vamos compreender como o burnout surge da interação entre fatores individuais (crenças, perfis de personalidade, autoexigência) e organizacionais (pressão por resultados, cultura de metas, liderança insensível). Dialogaremos também com duas obras essenciais: Morrendo por um Salário de Jeffrey Pfeffer, e Além do Salário (Meaningful Work) de Tamara Myles e Wes Adams, que ampliam o debate sobre o trabalho contemporâneo, propósito e bem-estar.
1. A intensidade individual: crenças que adoecem
Muitos trabalhadores internalizam ideias que parecem nobres, mas escondem armadilhas emocionais:
“Meu valor está no quanto produzo.”
“Descansar é perder tempo.”
“Se eu não fizer, ninguém fará direito.”
“Ser excelente é nunca errar.”
Essas crenças alimentam traços de perfeccionismo, autoexigência e necessidade de aprovação. São motores poderosos, mas sem regulação — e quando o cérebro aprende que só está seguro enquanto produz, o corpo passa a viver em estado permanente de alerta.
Jeffrey Pfeffer, professor de Stanford, alerta para esse modelo destrutivo: “Práticas organizacionais como jornadas longas, insegurança no emprego e o conflito entre trabalho e vida pessoal estão literalmente adoecendo e, em alguns casos, matando trabalhadores — e o mais trágico é que essas práticas não aumentam a produtividade nem melhoram os resultados financeiros.” (Jeffrey Pfeffer, Morrendo por um Salário)
Em outras palavras: o problema não é esforço, mas esforço sem recuperação. Força sem pausa vira desgaste.
2. O ambiente organizacional: o terreno fértil do esgotamento
As crenças individuais ganham força quando são reforçadas por culturas organizacionais disfuncionais. Muitos ambientes de trabalho ainda valorizam a entrega acima da saúde, a performance acima do propósito, e a disponibilidade constante como sinônimo de comprometimento.
Quando o gestor trata descanso como “frescura”, ou recompensa apenas quem ultrapassa o limite, cria-se um ciclo de adoecimento coletivo. A cultura de urgência crônica transforma o ambiente em uma “zona de exaustão permanente”.
Pfeffer mostra que essa lógica, além de injusta, é economicamente ineficiente: “As empresas que cuidam de seus funcionários e respeitam limites produzem mais e melhor. O custo da rotatividade, das licenças médicas e da desmotivação é imenso — mas invisível nas planilhas de curto prazo.”
(Jeffrey Pfeffer, Morrendo por um Salário)
Assim, o burnout não é apenas um problema de saúde mental individual: é também um sintoma de um sistema de gestão insustentável.
3. Quando o trabalho perde o sentido
Mesmo profissionais resilientes desmoronam quando percebem que o esforço deixou de ter significado. A exaustão, nesse ponto, não é apenas física — é existencial.
No livro Além do Salário, Tamara Myles e Wes Adams afirmam: “O trabalho significativo não é definido apenas pelo que fazemos, mas por como vivenciamos o que fazemos.”
Eles identificam três pilares do trabalho com sentido — que chamam de os “3 Cs”:
Comunidade: sentir-se pertencente e valorizado;
Contribuição: perceber que o próprio trabalho gera impacto real;
Crescimento (ou Desafio): aprender, evoluir e se desenvolver.
Quando um ou mais desses pilares se perde, o trabalho se esvazia — e o burnout encontra terreno fértil. Myles e Adams destacam ainda que o significado é o antídoto mais poderoso contra o esgotamento, pois reativa a conexão entre propósito e energia vital.
4. O ponto de intersecção: onde crenças e cultura se encontram
Imagine o funcionário que, por natureza, é intenso, perfeccionista e autoexigente. Ele acredita que precisa “dar conta de tudo”, mesmo exausto. Agora, coloque esse funcionário em uma empresa que valoriza quem nunca descansa, quem “veste a camisa”, quem entrega mais do que todos.
O resultado é previsível: a soma de dois extremos gera colapso.
O indivíduo acredita que parar é fracassar; o gestor acredita que o limite é falta de empenho.
A cultura reforça a crença, e a crença mantém a cultura — até que o corpo se torna o único a dizer “basta”.
5. Caminhos para redirecionar a força
A prevenção do burnout exige educação emocional, cultura saudável e liderança humanizada.
Abaixo, algumas diretrizes práticas:
Para o profissional:
Questione suas crenças sobre valor e produtividade. Pergunte-se: “Eu valho apenas pelo que entrego?”
Estabeleça limites realistas. Respeitar horários, pausas e férias não é desleixo — é inteligência emocional.
Redescubra o sentido do seu trabalho. Como ele contribui para algo maior? O que te faz sentir parte?
Invista em descanso ativo. Dormir, silenciar notificações, se desconectar e praticar lazer são partes do trabalho de quem quer durar.
Pratique autocompaixão. Ninguém precisa ser excelente o tempo todo. O “bom o suficiente” também sustenta excelência ao longo do tempo.
Para gestores e empresas:
Revisem a cultura de metas. O resultado é importante, mas a forma de alcançá-lo também é.
Ofereçam autonomia e reconhecimento. Significado vem de se sentir útil e respeitado.
Promovam bem-estar real. Não basta campanha; é preciso coerência nas políticas de pausa, férias e carga horária.
Formem lideranças empáticas. A produtividade sustentável nasce do equilíbrio entre desafio e cuidado.
Mensurem o que importa. Não só faturamento, mas também engajamento, absenteísmo, saúde mental e clima organizacional.
Como lembra Pfeffer: “O ambiente de trabalho é um fator determinante da saúde pública. As empresas podem ser fontes de vida — ou de adoecimento.” (Jeffrey Pfeffer, Morrendo por um Salário)
6. Recuperar-se é redirecionar, não desistir
Superar o burnout não é abandonar o trabalho, mas reconstruir a relação com ele.
Significa aprender a direcionar a força para onde há reciprocidade, propósito e crescimento — e não apenas cobrança.
O caminho da recuperação envolve:
Reduzir a sobrecarga e o ritmo,
Reforçar vínculos humanos (comunidade),
Reconectar o sentido (contribuição),
Reacender o aprendizado (crescimento).
São os mesmos “3 Cs” de Além do Salário — comunidade, contribuição e crescimento — aplicados ora como bússola de cura e prevenção.
Conclusão
O burnout não é um sinal de fraqueza, mas o grito silencioso de quem foi forte demais por tempo demais. É a consequência de um desequilíbrio entre o dar e o cuidar — entre o fazer e o ser.
Para preveni-lo, é preciso reaprender a usar a força:
com consciência,
com limites,
com sentido.
Empresas saudáveis e profissionais maduros entendem que produtividade e bem-estar não são opostos, mas partes de um mesmo ciclo virtuoso. Como mostram Pfeffer, Myles e Adams, o futuro do trabalho não está em produzir mais, mas em viver melhor enquanto produzimos.
“Trabalho com significado é o que une propósito e performance.”
(Tamara Myles e Wes Adams, Além do Salário)
“O que realmente mata não é o esforço, mas a falta de sentido e de cuidado.”
(Jeffrey Pfeffer, Morrendo por um Salário)
Gleidson Costa. Psicólogo CRP 18/9622, presidente e fundador da ZEST Desenvolvimento Humano e especialista em Saúde Mental e Bem-Estar no Trabalho.
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