Saúde Mental Não Se Terceiriza: O Risco da Superficialidade Corporativa na Era da NR-1

Por Gleidson Costa | Psicólogo, CEO da ZEST Desenvolvimento Humano

11/10/20253 min read

Nos últimos meses, manchetes como “Brasil registra o maior número de afastamentos por ansiedade e depressão da última década” acenderam um alerta que não pode mais ser ignorado. Somente em 2024, foram 472.328 licenças médicas por transtornos mentais — um aumento de 68% em relação ao ano anterior, segundo levantamento do InfoMoney com base em dados oficiais.

Por trás desses números há rostos, histórias e vozes silenciadas. Há profissionais tentando sobreviver emocionalmente a um modelo de trabalho que exige produtividade máxima em um contexto de vínculos frágeis, insegurança financeira e lideranças despreparadas.

E há, também, uma crescente superficialidade institucional na forma como a saúde mental vem sendo tratada dentro das empresas brasileiras.

Da exigência legal ao marketing de cuidado

Com a NR-1 (Norma Regulamentadora nº 1) — que determina a obrigatoriedade da Gestão de Riscos Ocupacionais, incluindo os riscos psicossociais — muitas empresas passaram a buscar soluções rápidas para “cumprir a norma”.

O problema é que boa parte dessas ações tem priorizado o custo sobre o cuidado.
Plataformas de atendimento psicológico são contratadas com valores irrisórios por sessão, forçando o profissional a realizar
consultas de 30 minutos, sem tempo hábil para compreender o contexto, estudar o caso ou construir vínculo terapêutico.

O resultado é o que poderíamos chamar de “fast therapy corporativa”: um modelo que simula cuidado, mas entrega conformidade.

O psicólogo, limitado por metas e algoritmos, vê-se pressionado a atender em série, enquanto o colaborador recebe um suporte superficial, que dificilmente impacta seu bem-estar de forma duradoura. A empresa, por sua vez, exibe relatórios, cumpre protocolos e ganha uma aparência de responsabilidade social — mas sem tocar nas causas estruturais do adoecimento.

Quando o cuidado vira número, o humano vira dado

Reduzir a saúde mental a indicadores e dashboards é um equívoco ético e técnico.
O sofrimento não cabe em gráficos, e o trabalho emocional não se mede apenas em “atendimentos realizados”.

O cuidado psicológico exige tempo, vínculo e contexto. Atender um colaborador com ansiedade, depressão ou burnout em trinta minutos, sem continuidade terapêutica, é como tentar apagar um incêndio com um copo d’água.

Além disso, a precarização desse modelo desvaloriza o próprio profissional de psicologia, que é reduzido a prestador de serviço de baixo custo — quando deveria ser um parceiro estratégico da empresa na construção de saúde organizacional.

Lideranças despreparadas: o elo perdido do cuidado

Outro ponto crítico é a falta de preparo das lideranças. Gestores são cobrados por metas, mas raramente são treinados para lidar com o sofrimento emocional de suas equipes. Falta educação emocional, empatia e escuta ativa.

Sem essas competências, qualquer programa de saúde mental se torna cosmético.
De nada adianta oferecer atendimento psicológico se o colaborador continua sendo exposto a
microviolências organizacionais, à cultura da urgência e à ausência de segurança psicológica no cotidiano de trabalho.

Da conformidade à cultura: o verdadeiro investimento

O caminho para empresas que realmente desejam promover saúde mental passa por um reposicionamento ético e estratégico:

  1. Diagnóstico real de riscos psicossociais, com instrumentos validados e análises qualitativas.

  2. Tempo clínico adequado para o trabalho psicológico, respeitando os princípios da Psicologia Baseada em Evidências.

  3. Capacitação contínua de líderes e gestores para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais.

  4. Programas integrados de desenvolvimento humano, que conectem saúde, propósito e performance sustentável.

  5. Monitoramento ético de indicadores, onde os dados orientam a ação — sem desumanizar o processo.

Conclusão

Cuidar é mais que cumprir norma. A nova NR-1 representa um avanço importante, mas ela não pode ser tratada como uma simples checklist. A conformidade legal deve ser o ponto de partida, não o objetivo final.

Enquanto a saúde mental for terceirizada, comprimida em pacotes de 30 minutos e usada como vitrine de responsabilidade corporativa, o sofrimento continuará aumentando — e os números, por mais alarmantes que sejam, continuarão sendo apenas a ponta do iceberg.

Na ZEST, acreditamos que saúde mental e performance sustentável andam juntas. E que o verdadeiro compromisso das empresas começa quando elas decidem escutar com profundidade e agir com responsabilidade.

ZEST Desenvolvimento Humano
Transformando conhecimento em ação para promover saúde mental e qualidade de vida.